Dispõe sobre as normas para realização de rodeios no âmbito do Município de Sorocaba/ SP, priorizando o bem-estar animal, suplementando a legislação federal vigente e dá outras providências.
JUSTIFICATIVA
I – Da Constitucionalidade e Legalidade da Proposta
O presente Projeto de Lei é necessário para analisar, primeiramente, alguns artigos da Constituição Federal.
O artigo 23, III, estabelece que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger, dentre outros, bens de valor cultural.
O artigo 30 determina que compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local, bem como suplementar a legislação federal no que couber.
O artigo 215 reza que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
O artigo 216 cita que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, portadores de referências à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade.
O artigo 225, VII, é claro ao discorrer que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.
Sendo que o §7º estabelece que não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o §1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 96, de 2017)
A existência da Lei Federal 10.519/2002 também deve ser trazida à presente Justificativa, pois estabelece normas para a promoção e fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio, regulando o esporte e proibindo apetrechos técnicos que causem injúrias ou ferimentos aos animais, seguindo regras internacionalmente aceitas. Ou seja, rodeio é esporte e tem regras.
A Lei Federal 10.220/2001, por sua vez, “institui normas gerais relativas à atividade de peão de rodeio, equiparando-o a atleta profissional”. Portanto, é necessário respeitar o art. 5º, XIII da CF/88, que estabelece que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Peão de rodeio é atleta. A lei dispõe sobre Contrato, Seguro, Remuneração, dentre outros assuntos.
A Lei Federal 13.364/2016 elevou “o rodeio, a vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial”. E a Lei Federal 13.873/2019, que altera a Lei nº 13.364/2016, “para incluir o laço, bem como as respectivas expressões artísticas e esportivas, como manifestação cultural nacional, elevar essas atividades à condição de bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro e dispor sobre as modalidades esportivas equestres tradicionais e sobre a proteção ao bem-estar animal”. Ou seja, o rodeio e as provas enquadram-se nos artigos 215 e 126 da Constituição Federal/88.
II – Da proteção e bem-estar animal
A presente legislação, além de representar o resgate da cultura do Tropeirismo e do rodeio – tão caros a tradição da nossa cidade – e proporcionar importante fonte de geração de riqueza e emprego para Sorocaba, está totalmente alinhada com a proteção e a garantia do bem-estar animal.
Destaca-se a proibição das provas de laço e a vaquejada, que são modalidade que apresentam maiores riscos aos animais, sendo permitidas apenas as modalidades esportivas em que a integridade física do animal são preservadas.
No mesmo sentido, destaca-se a obrigatoriedade de médico veterinário devidamente credenciado ao longo de todo o rodeio, acompanhando e garantindo o bem-estar dos animais na chegada, durante e após o evento.
Ademais, os equipamentos usados pelos peões – como as esporas – devem estar de acordo com as normas internacionais e não podem causar danos aos animais, recaindo sobre os organizadores do evento a fiscalização e eventuais punições em caso de descumprimento.
Cumpre elucidar que a única pesquisa científica existente a nível mundial, elaborada por veterinários da UNESP/Campus Jaboticabal, devidamente publicada (portanto, é documento que tem fé pública), comprova que o sedém não causa dor ou qualquer fator estressante ao animal. Referência da publicação do Projeto Sedém: Revista de Educação Continuada do CRMV-SP - Volume 3, Fascículo 2, 2000. Continuous Education Jornal CRMV-SP. Responsável: Prof. Orivaldo Tenório Vasconcelos.
Vale demonstrar ainda o Laudo Pericial integrante do Processo nº 943/97, requerido pelo Ministério Público do estado de São Paulo, elaborado pelo Dr. Eduardo Harry Birgel Junior, Professor Doutor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, especialista referência em clínica de bovinos. Profissional que jamais trabalhou em qualquer evento relacionado a rodeio, não tendo qualquer ligação ainda, a associações de proteção animal, o que mostra a total imparcialidade do profissional. Conclui que o sedém (cinta de lã) não provoca lesões e que a espora no rodeio em touros também não.
Inexiste, a nível mundial, qualquer pesquisa científica que conclua que o rodeio maltrata animais.
Outro fator positivo do Projeto de Lei é a obrigatoriedade do “selo verde”, que estabelece os apetrechos técnicos utilizados nas montarias, bem como as características do arreamento e outras diretrizes no trato com os animais a fim de não causar injúrias ou ferimentos. De acordo com Roberto Vidal, presidente do CNAR, o selo verde é a garantia de que o animal não sofre maus tratos, sendo exigida renovação anual junto à Confederação Nacional dos Rodeios.
Por fim, o presente Projeto de Lei determina que as entidades promotoras do rodeio deverão destinar 5% (cinco por cento) da arrecadação total com a venda de ingressos do evento para projetos sociais relacionados com a causa e proteção animal. Assim, serão garantidos recursos importantes para essas instituições prestarem seus serviços sociais em defesa dos animais, potencializando o bem-estar animal em toda a cidade de Sorocaba.
III – Do impacto financeiro e geração de emprego
Já no quesito financeiro, precisamos observar a arrecadação dos eventos realizados anualmente em Jaguariúna e Barretos, que movimentam anualmente, em média, R$ 20 milhões e R$ 900 milhões, respectivamente, com públicos de cerca de 100 mil e 800 mil pessoas, sendo mais de 50% dessas pessoas turistas, que em Barretos gastam em média R$ 2.345,00 em cinco dias de permanência na cidade, o que gera um grande impacto nos setores de turismo, hotelaria, gastronomia, serviços em geral, entre outros.
Estimativas apontam que existem mais de 30 milhões de aficionados pelos rodeios em todo o país, um público heterogêneo, composto por famílias de origem rural e moradores das cidades maiores. Segundo a Confederação Nacional de Rodeio (CNAR), esse público é sete vezes maior que o do Campeonato Brasileiro de Futebol.
Em toda a Região Metropolitana de Sorocaba existem milhares de aficionados pelos rodeios e provas equestres, tornando o presente projeto de lei grande atrativo de investimentos e recursos para nossa cidade.
Além disso, destacamos as contratações de profissionais locais para prestação de serviços durante os eventos: seguranças, recepcionistas, equipe de limpeza, bartenders, entre outros. Estima-se que, em média, são gerados mais de seis mil empregos diretos e indiretos por edição de rodeio.
O presente Projeto de Lei, além de garantir o bem-estar animal e o resgate de nossa cultura, representa a criação de um novo e lucrativo nicho de mercado, capaz de movimentar milhões de reais em nossa cidade, gerar empregos de qualidade e incentivar o esporte na região.
IV – Da questão cultural
A atividade esportiva e cultural faz parte do folclore brasileiro, da tradição em especial dos moradores do interior do Brasil.
Essa vertente cultural incluindo a interação entre homens e animais faz parte da história do município de Sorocaba, conforme se pode visualizar em seu site oficial: http://cultura.sorocaba.sp.gov.br/casaraobrigadeirotobias/o-tropeirismo/, que traz que “o Tropeirismo teve início por volta de 1750, com a instalação do Registro de Animais na cidade, tornando-se uma sistemática passagem de tropas xucras ou arreadas e, consequentemente, a realização de grandes feiras, famosas em todo o país e que normalmente, duravam de dois a três meses. Isso se deve a localização privilegiada de Sorocaba.
Caracterizou-se pelo uso generalizado do lombo de animal, equino ou muar – especialmente este – para o transporte de cargas. O que hoje é feito por caminhões, era, então, feito por esses animais. Eram as tropas arreadas, um conjunto de 8 a 10 animais, equipados com cangalhas, nas quais eram penduradas as canastras e ou bruacas, contendo mercadorias.
O tropeiro tornou-se o responsável direto pela circulação de produtos destinados à exportação e pelo abastecimento das regiões interioranas. Era ainda, o emissário oficial, transmissor de notícias, intermediário de negócios e protetor dos viajantes, além disso, também traziam do sul do país até Sorocaba tropas xucras ou soltas, que eram domadas por famosos peões e vendidas nas feiras realizadas.
A tradição do tropeirismo na região estimulou a cultura com expressões de linguagem, pratos típicos, vestimentas, a criação de animais e a realização de rodeios.
O comércio de muares representou a maior atividade econômica dos séculos XVIII e XIX, na região Sul do Brasil, mais precisamente entre 1750 e 1850. Durante esse período, acredita-se que mais de um milhão de burros e mulas foram trazidos do estado do Rio Grande do Sul para Sorocaba, onde era realizada a famosa “Feira de Muares”.
A parada em Sorocaba era estratégica, por conta da geografia, do clima e da alimentação para os animais, nos pastos atrás do morro de Ipanema. Segundo a historiadora Sônia Nanci Paes, era ali que as tropas, cada uma com 200 animais e cinco tropeiros, se juntavam antes da feira. Outro fator decisivo para a realização da feira na cidade foi à criação dos registros de impostos sobre os animais, sendo o mais importante o que ficava na ponte do Rio Sorocaba. “Era um pedágio; quem pagava era o financiador dos tropeiros, que nem sempre fazia a viagem”, explicou a pesquisadora.
A historiadora ainda defendeu que o tropeiro era um operário, classe trabalhadora que marcou a história de Sorocaba e faz parte da cultura. Ela também lembrou que a feira de muares fazia da cidade o lugar mais importante do mundo na época, justificando a afirmação de que grupos europeus de ópera, quando vinham ao Brasil, primeiro se apresentavam na feira, antes de ir ao Rio de Janeiro. “Nos meses de abril e maio (período da realização da feira) era aqui que estava o dinheiro”, afirmou, sobre o evento que teve a primeira edição em 1750 e a última em 1897.
Sônia contou também que o período em que existiu a feira, foi de grande transformação da cidade, com a chegada da linha férrea e a instalação da indústria têxtil. Segundo a historiadora, a feira de muares era como um grande shopping a céu aberto e numa edição chegou a contar com 200 mil animais. “Tinha apresentações de ópera, circo, venda de material de couro, tecidos e joias” disse.
As Feiras de Muares eram realizadas nos meses de abril a junho, além de compradores, ricas famílias da capital e das cidades vizinhas vinham a procura de produtos e de divertimento.
Durante a realização da feira, Sorocaba se tornava uma cidade agitada, mais movimentada do que muitas capitais da Província. Os poucos hotéis ficavam cheios, muitas pessoas acomodavam-se na casa de amigos, em alpões e telheiros. Sorocaba se enchia de artesãos, mascates e vendedores ambulantes, muitos vindos da Corte para aqui fazerem suas vendas. O clima era festivo, com companhias de teatro, circos, cavalhadas, corridas de cavalo, bebidas, jogos, música, negócios, e a geração de muito dinheiro.
A feira começava com a venda do primeiro lote de animais que, em geral, demorava alguns dias. Realizada a primeira venda a notícia corria toda a região com o grito ‘Rebentou a Feira’, sendo a partir de então, realizadas de três a cinco vendas por dia.
Com a implantação das ferrovias em 1875, o comércio de tropas começou a definhar. A última grande feira realizada em Sorocaba foi em 1897, quando ocorreu o primeiro grande surto de febre amarela. Mal havia começado a Feira, os tropeiros fecharam às pressas seus negócios, arrumaram suas malas e partiram para sempre. Houve nova tentativa de realização da Feira de Muares em 1901, mas sem qualquer resultado.
Um ciclo tão longo e tão importante, não poderia deixar de exercer influência marcante sobre nossa identidade cultural. Um bom exemplo disso é o próprio linguajar do Sorocabano, com seu sotaque e alguns provérbios e expressões que descendem dessa época:
– Burro velho não pega trote;
– Com o passar dos anos, é mais difícil aceitar as mudanças;
– Quem lava cabeça de burro perde o trabalho e o sabão;
– Discutir com teimoso é trabalho perdido;
– Onde vai o cincerro vai à tropa – onde o líder vai, leva consigo o grupo;
– Pela andadura da besta se conhece o montador – Pelos atos se conhece a pessoa;
– Picar a mula – Ir embora;
– Deu com os burros n’água – Trabalho ou coisa que não deu certo;
– Teimoso como uma mula;
– Tem caveira de burro – Coisa azarada.
– Estar com a tropa ou estar com o burro na sombra – Estar tranquilo, com sucesso.
Também percebemos a culinária Tropeira iconificada na cultura Sorocabana com o feijão tropeiro, consistindo basicamente, feijão cozido, com toicinho defumado, carne seca, engrossado com farinha de mandioca ou milho. Pode ser acompanhado com torresmo e couve frita. Esse prato varia conforme a disponibilidade dos produtos, mas, essencialmente, não apresentava grandes mudanças. Alimento calórico para satisfazer as necessidades do trabalho pesado dos tropeiros. Muitas vezes, consistia na única refeição do dia, depois de uma longa jornada de estrada e da lida atenta e cansativa das tropas.
Na maioria das vezes, era um menino de pouco mais de dez ou doze anos o responsável pela cozinha. Acordava cedo, preparava o café simples e saía na frente. Providenciava o feijão, e aguardava a chegada da tropa.
Imprescindível evidenciar que o Tropeirismo foi reconhecido através da Lei 11.109/2015, patrimônio cultural-imaterial de Sorocaba.
Por fim, apesar do histórico e de ser atividade costumeira, que faz parte da cultura local e regional, é necessário suplementar a regra já existente em Leis Federais, regulamentando a atividade no âmbito municipal, priorizando o bem-estar animal e a profissionalização em geral, ou seja, formalizando a forma como Sorocaba/SP sempre tratou o rodeio e seus congêneres.