06/05/2011 17h04
 

Presidida pelo vereador Izídio de Brito (PT), comissão investiga o atendimento prestado nos hospitais psiquiátricos de Sorocaba e região

 

A Comissão Especial dos Hospitais Psiquiátricos, que investiga denúncias sobre o atendimento nessas instituições, realizou mais uma oitiva, nesta sexta-feira (6). Presidida pelo vereador Izídio de Brito (PT) e tendo como relator o vereador Luis Santos (PMN), a comissão ouviu o presidente da Associação dos Familiares de Pacientes com Distúrbios Psiquiátricos, Douglas Lara, e presidente do Sindicato da Saúde de Sorocaba, Milton Sanches, numa audiência pública participativa, que contou, ainda, com a presença de representantes de diversas entidades.

 

A comissão é integrada, também, pelos vereadores Rozendo de Oliveira (PV), Neusa Maldonado (PSDB) e José Crespo (DEM) e foi instalada para investigar denúncias do Fórum da Luta Antimanicomial (Flamas) sobre o número de mortes nos hospitais psiquiátricos de Sorocaba. Segundo o levantamento da entidade, ocorre uma morte a cada cinco dias e meio nos hospitais psiquiátricos de Sorocaba. A média de óbitos na região é de 16,5 mortes para cada 100 leitos psiquiátricos, enquanto a média nos dois maiores hospitais psiquiátricos do Estado não passa de sete óbitos para cada 100 leitos.

 

Defesa dos funcionários – O primeiro a ser ouvido na audiência pública foi o presidente do Sindicato da Saúde de Sorocaba, Milton Sanches, que foi indagado pelo vereador Luis Santos acerca da ocorrência de maus-tratos, incluindo mortes, nos hospitais psiquiátricos. O vereador quis saber se denúncias do gênero nunca haviam chegado ao sindicato, levando em conta sua gravidade.

 

“Dados se contestam com dados e quem tem que contestar o Flamas são os donos de hospital. Meu papel é defender os trabalhadores”, afirmou o sindicalista no início de seu depoimento. Ele disse que os trabalhadores dos hospitais psiquiátricos sempre ficam num segundo plano. “Mas, na verdade, eles são heróis. Fazem da sua profissão um verdadeiro sacerdócio”, ressalvou, pedindo à comissão que também ouça os próprios trabalhadores dos hospitais para que eles relatem como é o cotidiano de um hospital psiquiátrico.

 

Para o sindicalista, os funcionários que mais sofrem nesses hospitais são justamente o pessoal que cuida diretamente dos pacientes, como os técnicos e auxiliares de enfermagem e o pessoal da limpeza. “Esses funcionários colocam a roupa no paciente e cinco minutos depois ele tira a roupa. Há situações em que os pacientes ficam sem controle”, afirmou. O sindicalista se mostrou contrário ao fechamento dos hospitais psiquiátricos, por entender que há pacientes que necessitam de internação.

 

Alta rotatividade – “O trabalhador de hospital psiquiátrico sofre muito, inclusive mentalmente, porque convive com todo tipo de problema. É preciso vivenciar e sentir o cotidiano de um hospital psiquiátrico para ver o sofrimento das pessoas que lá trabalham. É preciso humanizar os hospitais, sim, mas além dos dados frios, precisamos conhecer por dentro a realidade deles”, depôs Milton Sanches.

 

A vereadora Neusa Maldonado, corroborando o depoimento do sindicalista, também se disse preocupada com o fechamento puro e simples dos hospitais: “Eu também me preocupo onde vão ser colocadas as pessoas que saírem do hospital”. Mas a parlamentar também deixou claro que é preciso investigar as denúncias de maus-tratos.

 

Rozendo de Oliveira quis saber do presidente do Sindicato da Saúde se há falta de funcionários nos hospitais psiquiátricos, uma vez que, no seu entender, as mortes denunciadas pelo Fórum da Luta Antimanicomial parecem estar diretamente ligadas ao número de funcionários de cada hospital.

 

Em resposta, Milton Sanches disse não ter dados precisos sobre quantitativo de funcionários, mas enfatizou que a falta de funcionários ocorre praticamente em todo o sistema de saúde. Também afirmou que a rotatividade de profissionais nos hospitais psiquiátricos é muito grande, por se tratar, segundo ele, de um trabalho desgastante e mal remunerado.

 

Representante de familiares – Logo após a exibição de uma reportagem do SBT sobre maus tratos nos hospitais psiquiátricos, veiculada em 7 de abril último, a comissão ouviu o presidente da Associação dos Familiares de Pacientes com Distúrbios Mentais, Douglas Parra, formado em administração de empresas e consultor de comunicação. “Nossa associação defende os direitos dos doentes mentais. A família adoece junto com o paciente e precisa de ajuda”, afirmou Douglas Parra, salientando que há um estima muito forte contra as pessoas que sofrem de doença mental.

 

Douglas Parra relatou casos de pacientes psiquiátricos no país que, após não receberam o devido atendimento médico, inclusive com internação, acabaram praticando crimes. Num dos casos relatados, o paciente teve um surto e matou os dois filhos, além de pôr fogo na casa, sendo linchado, em seguida, por populares. Em outro caso, um paciente matou seus dois filhos a marteladas e, ao receber voz de prisão, atacou o policial com um martelo e acabou sendo morto.

 

“Essas tragédias não teriam ocorrido se esses pacientes tivessem sido atendidos e internados”, afirmou o presidente da Associação dos Familiares de Pacientes com Distúrbios Mentais, cuja entidade fez um levantamento de matérias de jornal, em todo o país, relatando casos de morte envolvendo doentes mentais fora dos hospitais. O vereador Izídio de Brito requisitou cópias desse levantamento para que os vereadores possam fazer um comparativo com os dados já disponibilizados à comissão pelo Fórum da Luta Antimanicomial.

 

Queixas sobre atendimento – “Nenhuma mãe interna um filho sem mais nem menos. Já vi pai internar filho sem precisar. E já vi filho internar mãe sem necessidade. Mas uma mãe só interna o filho quando não há mais jeito, quando a internação é absolutamente necessária”, salientou. “Não somos contra a criação de nenhum serviço a mais para atender o paciente, mas somos contra o fechamento dos hospitais psiquiátricos”, sustentou, afirmando que Sorocaba tem todos os equipamentos de saúde mental, com exceção do CAPS III.

 

Entretanto, Douglas Parra afirmou que os pacientes que precisam de internação precisam esperar de dois a três dias e há casos em que a espera pode chegar a uma semana. “Imaginem o sacrifício das famílias que têm de esperar esse tempo todo por uma vaga”, salientou. O representante dos familiares de pacientes psiquiátricos também defendeu que a Prefeitura garanta o vale-transporte para os pacientes e seus acompanhantes, uma vez que há famílias que têm dificuldades financeiras até para levar o paciente para tratamento. Também reclamou que se uma vaga para internação 23 horas, por exemplo, ela só será comunicada à família do paciente em espera às 8 horas do dia seguinte.

 

Para Douglas Parra, as mortes que acontecem nos hospitais psiquiátricos precisam ser melhor analisadas. “Ninguém quer matar ninguém. Os atendentes dos hospitais psiquiátricos são verdadeiros heróis. Se o paciente fica aguardando uma semana para ser internação, seu estado vai se agravando nesse período e, se ele morrer logo depois de internado, a culpa não pode ser do hospital”, argumentou, relatando casos de seu conhecimento para servir como exemplo. Parra afirmou, ainda, que muitas famílias não têm condições de ficar cuidando de doente mental em casa, pois precisam trabalhar e não podem contratar enfermeiros particulares.

 

Participação intensa – As duas oitivas também contaram com a participação intensa do público presente. Uma cabeleireira que já foi paciente de clínica psiquiátrica e que hoje atua como voluntária junto a outros pacientes defendeu o atendimento prestado pelos hospitais. Já o psicólogo Lúcio Costa, do Sindicato dos Psicólogos e do Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba, também presente ao evento, disse que é preciso acabar com o modelo da internação. Outros trabalhadores da saúde, presentes na audiência, também fizeram intervenções.

 

O vereador Izídio de Brito deixou claro, ao término das oitivas, que a comissão está tomando diferentes depoimentos, com diferentes visões, com o objetivo de investigar as denúncias que foram feitas. “A nossa intenção é humanizar os hospitais psiquiátricos”, salientou o vereador. Ao término da audiência, os membros da comissão se reuniram para fazer um balanço inicial das oitivas já realizadas e discutir o encaminhamento dos trabalhos.

 

Já foram ouvidos dois familiares de pacientes mortos em hospitais psiquiátricos; o coordenador de psiquiatria do Conjunto Hospitalar de Sorocaba, psiquiatra Carlos Eduardo Zacharias, e o doutor em Psicologia Social, Marcos Garcia, professor  da Universidade São Carlos (UFSCar) e autor da investigação do número elevado de mortes nas unidades manicomiais de Sorocaba e região.