Promovida por iniciativa do vereador Renan Santos (PCdoB), a audiência contou com a presença de diversos ativistas do movimento social
Com o tema “Genocídio da Juventude Negra nas Periferias”, a Câmara Municipal de Sorocaba realizou audiência pública na noite de segunda-feira, 15, no plenário da Casa, por iniciativa do vereador Renan Santos (PCdoB). Durante a audiência, também foi entregue, in memoriam, o Título de Cidadão Emérito ao locutor de rádio Milton Expedito do Nascimento, o Dinho, que foi morto aos 33 anos, numa operação policial, no Jardim Montevidéu, na Zona Norte, ao ser confundido com um assaltante, na noite de 23 de dezembro de 2018.
Além do vereador, que presidiu a audiência, a mesa dos trabalhos foi composta pelas seguintes autoridades: vereadora Iara Bernardi (PT); advogada Patrícia Ferreira, da Comissão da Verdade sobre o Negro na Advocacia da OAB Sorocaba; Edson França, vice-presidente nacional da Unegro; e o líder comunitário Jair Vieira. Os pais do locutor homenageado, Eva Andrade e José Expedito, entre outros familiares do homenageado, também estiveram presentes, bem como representantes de diversas entidades do movimento social.
Políticas públicas – “O objetivo dessa audiência é lutar por políticas públicas que garantam segurança à população das periferias, especialmente a juventude negra, para que casos como os que estamos relembrando, do Dinho e do Lucas, nunca mais se repitam”, afirmou Renan Santos. O vereador afirmou ter convidado o comando e a corregedoria da Polícia Militar e a Guarda Civil Municipal, mas só teve retorno do comando da PM, que não compareceu sob a alegação de que “a audiência pública não foi construída com o comando da Polícia Militar”.
A vereadora Iara Bernardi (PT) lamentou que o fato de que a Polícia Militar não enviou representante, observando que seria até educativo para a corporação participar da audiência pública. “Em recente reunião com mães do Habiteto ouvi relatos estarrecedores sobre a forma com que seus filhos e elas próprias são tratados”, afirmou a vereadora, relatando ter ouvido das mães que a patrulhas policiais passam na porta das casas e se mães estão no portão, são tachadas de “vagabundas” e ameaçadas pelos policiais, que as mandam entrar. “Quando contamos esses fatos ao comando da PM, a corporação não acredita, acha que as mães estão exagerando”, afirmou a vereadora, dizendo temer que a orientação dos governos estadual e federal seja para que a polícia atire tão logo se sinta ameaçada.
“Negligência e seletividade” – Jair Vieira afirmou que, “a cada 23 minutos, um jovem negro é morto no país” e disse que o Estado não garante ao morador negro da periferia “nem o direito à dúvida” e enfatizou que “faltam políticas públicas para a juventude nas periferias”. O líder comunitário afirmou que o Estado é “negligente e seletivo” e que há um “racismo institucional” que leva a fatos como o que ocorreu recentemente no Rio de Janeiro em que um músico foi morto com 80 tiros por soldados do Exército.
Patrícia Ferreira, da OAB, afirmou que, para a população negra “não existe presunção de inocência, existe presunção de culpa” e enfatizou a “necessidade de instituir políticas públicas, num país que tem praticado o genocídio da população negra independente de quem está no governo”. A advogada ressaltou, ainda, citando um historiador negro: “Abdias Nascimento, em várias obras, confirma que o Estado brasileiro pretende assassinar a população negra. Existe, sim, um intento de embranquecer a nação, que se perpetua até os dias atuais, tanto que o jovem negro tem três vezes mais chances de morrer violentamente do que um jovem branco”.
Edson França, da Unegro, disse que os policiais militares “que assassinaram jovens negros não podem ficar impunes” e que a entidade que representa irá lutar para que sejam punidos. O representante da Unegro observou que apenas 6% dos casos de homicídios são solucionados no país e ressaltou que a audiência pública é uma forma de se contrapor à omissão da polícia em relação aos casos de violência praticada contra os negros. “Vidas negras importam e nós precisamos demonstrar isso”, enfatizou Edson França, que já foi presidente da Unegro.
Abaixo-assinado – O vereador Renan Santos (PCdoB) leu um abaixo-assinado dos moradores do Habiteto (Conjunto Ana Paula Eleutério) em “repúdio às ações policiais abusivas”. Os moradores afirmam que essas ações “já se tornaram corriqueiras no bairro, principalmente após o falecimento de Lucas Lopes, brutalmente assassinado pela Polícia Militar”. E acrescentam que, “após os vários testemunhos referentes ao assassinato, a polícia se tornou ainda mais violenta, invadindo casas sem mandado judicial”. Os mais de 400 moradores que firmaram o abaixo-assinado exigem que a população do bairro seja tratada com respeito. Renan Santos e Iara Bernardi comprometeram-se a constituir uma comissão, com representantes dos moradores, da OAB e de entidades, para discutir as denúncias com o comando da PM em reunião a ser marcada na Câmara.
Vários representantes das entidades presente na audiência pública também se queixaram da forma como a polícia trata os jovens negros da periferia. No final da audiência, os familiares de Milton Expedito do Nascimento, o Dinho, receberam a homenagem em sua memória. Também houve declamação de poesias. O evento foi transmitido ao vivo pela TV Câmara (Canal 31.3; Canal 6 da NET; Canal 9 da Vivo) e pode ser visto na íntegra no portal da Casa através do seguinte endereço eletrônico: https://youtu.be/6NoNcWaTLIs.