Em parceria com o MPT e o TRT, o ciclo contou com o psicólogo Ivan Capellatto, que falou sobre trabalho e prostituição infantil
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado pelo Congresso Nacional por meio da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que o instituiu, está completando 30 anos. Para celebrar a data, a Câmara Municipal de Sorocaba deu início, na manhã desta segunda-feira (13), a um ciclo de palestras, debates e entrevistas com especialistas de várias áreas que irão abordar o tema da infância e adolescência à luz do ECA. O ciclo de palestras – que será transmitido pela TV Câmara e pela Rádio Câmara – é promovido pela Escola do Legislativo, em parceria com o Ministério Público do Trabalho e o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
Abrindo o ciclo de palestras, na manhã desta segunda-feira, 13, o primeiro entrevistado foi o psicólogo Ivan Capellatto, mestre em Psicologia Clínica, escritor e conferencista e autor de diversas obras, além de especialista em trabalho infantil e psicoterapeuta de famílias, crianças e adolescentes. O psicólogo, que concedeu a entrevista virtualmente, lembrou que, no passado, as crianças e adolescentes não eram vistos como “sujeitos” ou, então, eram vistos como adultos, sendo obrigados a trabalhar precocemente.
Trabalho infantil – Capellatto conta que, antes mesmo da aprovação do ECA, na década de 80, já se preocupava com o trabalho infantil e a prostituição infantil. Segundo ele, mesmo após a aprovação do ECA, no Brasil, e da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que proíbe o trabalho infantil, essa prática continua existindo no mundo, inclusive no Brasil. “O PNAD [Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio] constatou, em 2019, mais de 3 milhões de crianças e adolescentes em trabalho infantil, a maior parte deles na prostituição”, afirma.
O psicólogo enfatizou que a prostituição infantil geralmente decorre da pobreza ou de lares desfeitos, em que os pais estão envolvidos com drogas, sofrem de problemas psiquiátricos severos, entre outros agravos. “Essas crianças se tornam vulneráveis ao aliciamento para a prostituição, sob a promessa de ganho financeiro”, afirma, observando que há casos em que crianças e adolescentes são induzidas à prostituição pelos próprios pais, como um meio de vida, devido à extrema pobreza em que se encontram essas famílias.
Danos à criança – O psicólogo também abordou o problema do trabalho infantil, citando como exemplo sua ocorrência em fazendas de cana, o que, segundo, além de afastar a criança da escola, acarreta danos psíquicos, sociais e físicos. “A criança é coisificada, perde sua identidade, perde a noção de seu próprio corpo”, alerta, enfatizando que as crianças são feridas fisicamente no trabalho infantil ou na prostituição, mas nem sentem mais a dor e se acostumam com a situação. Também são vítimas de doenças sexualmente transmissíveis e podem sofrer de depressão, chegando a padecer de dissociação de personalidade, sem saber quem são.
Para Cappelatto, em que pese a vigência do ECA nesses 30 anos, nas camadas mais pobres da sociedade ainda há muitos casos de trabalho infantil, bem como de prostituição infantil, uma vez que as próprias famílias, devido à necessidade, acabam aceitando que seus filhos trabalhem precocemente. “Muitas crianças foram abusadas em casa e, a partir desse abuso, ficam vulneráveis em seu psiquismo”, afirma, observando que, em face dessa fragilidade, a criança se apega ao próprio adulto que a explora. “Então, o ECA nem sempre consegue alcançar essa sombra que está por trás do trabalho infantil”, afirma.
Capellatto defende a implantação de mais políticas públicas em prol da infância e adolescência, “o mais precocemente possível”. O psicólogo enfatizou a importância dos cuidados com as crianças desde a primeira infância e defendeu a ampliação da licença-maternidade. “Tenho defendido essa proposta, mas, infelizmente, nesse momento, com a pandemia, ela se torna mais difícil”, observa, alertando que, com o aumento do desemprego em face da pandemia, a incidência de trabalho infantil tende a recrudescer, uma vez mais famílias irão ficar sem renda.
Por fim, Ivan Capellatto ressaltou que cuidar das crianças e adolescentes é um imperativo ético e social: “A criança é o nosso amanhã. Investir na criança é investir também na economia futura do mundo. Esse deveria ser o grande projeto de todos os governos”, destaca, preconizando que o poder público busque fazer parcerias com os setores voluntários da sociedade que desenvolvem trabalhos com crianças e adolescentes.
O ciclo de palestras terá continuidade ainda na tarde desta segunda-feira, 13, a partir das 13 horas, quando o presidente da Câmara Municipal, vereador Fernando Dini (MDB), participa de um debate com o desembargador do TRT (Tribunal Regional do Trabalho), João Batista Martins César, e o padre Júlio Lancelotti. Já às 15 horas, está agendada uma mesa-redonda com a participação das advogadas Juliana Tozzi Corrêa (presidente da Comissão dos Direitos Infanto-Juvenis da OAB/Sorocaba), Sandra Regina Flório (presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/Sorocaba) e Ana Laura Vallarelli Gutierres Araújo (membro da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/Sorocaba).