05/10/2020 11h51
atualizado em: 05/10/2020 16h09
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Em entrevista à Rádio Câmara, Paula Caruso fala sobre dificuldades do isolamento, mas diz que o ano não será perdido e servirá para repensar valores

As consequências para a saúde mental do isolamento social motivado pela pandemia de Covid-19 foram abordadas pela psicóloga Paula Caruso Lourenço Leite em entrevista virtual concedida ao programa Câmara Saúde, da Rádio Câmara, na manhã desta segunda-feira, 5 de outubro. Especialista em neuropsicologia e psicologia clínica cognitivo-comportamental, Paula Caruso é formada em Psicologia pela Universidade Católica de Santos, atuou na área de recursos humanos por dez anos e há 12 anos atua em atendimento clínico de crianças, adolescentes e adultos.

Em relação ao impacto da pandemia na vida das pessoas, Paula Caruso diz que, num primeiro momento, “houve muito medo e o medo paralisa”, o que levou as pessoas a se isolarem dentro de casa. “Porém, depois de três ou quatro meses, esse medo deixa de existir e as pessoas começam a se esquecer que existe uma pandemia e buscam mais e mais contatos fora de casa”, afirma. 

A psicóloga observa que, desde setembro, muitos começaram a relaxar em relação às medidas de isolamento social até pela necessidade de ter contato com com outras pessoas, depois de muito tempo de isolamento doméstico. “Mas, ao sair do isolamento, é preciso ter muito cuidado com as normas de higiene. O que complica são as crianças, porque elas têm muita dificuldade para ficar de máscara. Mas creio que elas também se adaptam, como em outros países se adaptaram”, observa, acrescentando que algumas crianças até cobram dos adultos que usem máscaras corretamente.

Atendimento psicológico – A psicóloga afirma que tem notado um aumento da procura por atendimento psicológico e que muitas pessoas que buscam esse atendimento estão passando por dificuldades financeiras, por terem perdido o emprego. “Mesmo assim, elas sentem necessidade de se cuidar”, enfatiza. Segundo ela, a saúde mental, que costumava ser negligenciada em relação à saúde física, passou a ser motivo de preocupação das pessoas com o isolamento social. “Conviver com o outro 24 horas por dia dentro de casa é difícil, gera muito estresse”, observa.

Paula Caruso salienta que, com o isolamento social, a rotina das famílias se multiplicou. “Antes, os pais deixavam os filhos na escola e iam trabalhar. Agora, além de ter que trabalhar em casa, eles precisam ajudar os filhos nas aulas virtuais, bem como cozinhar, lavar, passar, arrumar a casa. Isso faz com que muitas pessoas adoeçam mentalmente”, afirma. 

Segundo ela, muitos pais tinham acostumado os filhos a brincarem apenas com jogos eletrônicos e, na pandemia, como eles precisam usar a Internet para trabalhar em casa, as crianças, sem poder jogar em rede, ficam sem fazer nada o dia inteiro, porque não dispõem de outros brinquedos além dos virtuais. “Por isso, sempre incentivamos as crianças a brincarem com os irmãos e, caso não tenham irmãos, que tenham pelo menos brinquedos e jogos físicos, para que não fiquem dependentes da Internet”, enfatiza.

Paula Caruso também discorreu sobre a situação dos idosos na pandemia, observando que há dois grupos de idosos: os que não têm medo e estão na rua desde o início da pandemia, alguns até contraindo Covid-19, e aqueles que foram isolados pela família, para evitar contaminação, deixando de sair, de fazer compras, de conviver com a família, e estão sofrendo muito com  falta do contato físico com filhos e netos. “Muitos deles entram num forte processo de depressão”, afirma, observando que, para os idosos, o contato virtual com os netos, através de vídeos, não substitui o contato físico.

Novos valores – A psicóloga enfatiza que até os adolescentes e jovens, que já foram criados com as novas tecnologias, não gostam de ser privados do contato físico com os amigos. “Eles não ficam satisfeitos de conversar com os amigos apenas por vídeo, não gostam nem de fazer terapia à distância. Isso me chamou a atenção, porque o mundo deles é virtual, mas, agora, eles estão rejeitando esse mundo”, acrescenta.

No entender de Paula Caruso, 2020 não foi um ano jogado fora, uma vez que as pessoas foram levadas a refletir sobre suas vidas, seus relacionamentos, seus valores. “As pessoas davam muito valor às questões materiais, mas, com a pandemia, tiveram que dar valor a outras questões, como a convivência familiar, por exemplo”, afirma. Entretanto, ela reconhece que o convívio diário das famílias isoladas em casa, sem poder sair, acaba resultando em conflitos que abalam o estado emocional das pessoas.

A psicóloga enfatizou a importância de se denunciar a violência doméstica contra mulheres e crianças, inclusive o abuso sexual, práticas que, como enfatiza, acabaram sendo facilitadas pelo convívio diário dentro de casa. Também alertou para a necessidade de se observar os adolescentes e jovens, que, devido ao isolamento, podem se tornar presas da ansiedade ou da depressão, que, em casos extremos, podem levar ao suicídio. Por fim, Paula Caruso enfatizou que é preciso que “cada pessoa olhe para si e olhe para quem está ao seu lado dentro de casa e tende perceber que esse ano, apesar de ser um ano diferente, também pode ser um ano produtivo”.